Estava comprando algumas coisas num shopping perto de casa e como já era hora do almoço, resolvi almoçar por lá, sozinha. Enquanto aguardava a minha senha aparecer vermelha no visor, sentada ali na praça de alimentação, não estava mexendo no celular. Estava observando, pra variar, a movimentação.
Havia muitas mães e filhos. Haviam apenas casais. Haviam alguns amigos apertados naqueles confortáveis bancos alemães. Havia uma família que me chamou a atenção, ao qual meus olhos se demoraram mais.
Era uma típica família de comercial de margarina: um papai, uma mamãe, uma criança e uma vovó.
Devo ter sorrido ao vê-los, pois aquela cena me aquecia o coração. Parecia algo que eu quase tive ou parecia algo que um dia gostaria de ter. Apesar de conflitivo e contraditório, observava a criança comendo um lanche do Mc Donalds, com uma mão e brincando com o brinde com a outra.
Os adultos comiam comida mais saudável, conversavam e riam. A vovó estava de frente para a criança, provavelmente se perguntava mentalmente qual a sobremesa mais gostosa para oferecer ao pequeno quando terminassem a refeição.
Mal sabiam o constrangimento que estava por vir:
Tudo muito rápido, a cadeira que a vovó estava cedeu e de repente a velhinha estava no chão, espatifada. Ela usava um vestido florido que subiu por entre as coxas, e ficou muito nervosa tentando arrumar de alguma forma, para que conseguisse cobrir novamente o que já havia sido descoberto.
Um homem que estava sentado ao lado da família, se encarregou de auxiliar a senhora a levantar, junto com a mãe. A criança também se levantou e levou as mãos a boca. Até soltou o brinquedo recém adquirido.
O pai tirava fotos da cadeira quebrada no celular, provavelmente para postar em alguma rede social o acontecido e criticar o shopping, ou qualquer coisa do tipo.
Posta em pé, a senhorinha estava amparada pela filha, queixando muito de dor nas costas. Após bater mais fotos, o pai recolheu as bandejas e jogou tudo fora, pegou a criança pela mão e foi chamar o segurança. Em breve, ele chegou, explicaram o acontecido e em poucos minutos foram todos embora.
Um acontecimento chato porém banal me trazia a mente que a vida é assim mesmo.
De repente você está, de repente não está mais.
Às vezes as coisas cedem. No caso da cadeira, ou por serem antigas, ou por serem mal construídas, ou por não ser ajustarem a você: não contei ainda, mas a vovó era gordinha.
Senti que meu casamento quebrou como fosse essa cadeira.
Era antigo, então parecia seguro. Algo em que se podia confiar. Algo que não precisava ajustar devido justamente ao seu longo tempo de vida. Afinal, se do jeito que estava funcionava, estava garantido, para que mexer? Até dava sinais de fraqueza, mas nunca imaginei que meu velho banco cederia. Pois, repetidamente: funcionou sempre.
O que eu não sabia é que apesar de funcional, ele era mal construído. Apesar de tudo aparentemente parecer bem, claramente dava sinais de enfraquecimento e fragilidade.
Um pé bambo. Um irritante pé bambo. Ele tinha sim. De fato era preciso constantemente encontramos um ponto de equilíbrio, mas qualquer movimentação mínima, fazia tudo estremecer novamente. Mas sabe? Como eu já disse... ele funcionava.
Nunca havia deixado na mão. Acho que estávamos acostumado com essa falta de estabilidade. Manutenção dá trabalho né? Pra que consertar coisas que funcionam bem, com um jeitinho aqui e outro ali. Era o pensamento infantil arraigado àquele relacionamento. Por vezes ainda, por alguns segundos, quando paro pra pensar muito, ainda me sinto culpada de não ter visto tudo a tempo da ruína, mas logo passa, mas esse é o próximo parágrafo.
Aquela cadeira, na verdade, se ajustava bem a gente. Se por um lado, eu tenho minha parcela de culpa, ele igualmente tem também. E é por isso, sem me estender muito, que esse sentimento angustiante passa. Estávamos completamente moldados a uma cadeira existente antiga, enquanto devíamos fazer ela se moldar a nós com o passar do tempo. Fazíamos esforço para nos acomodarmos nela, e quando era desconfortável, simplesmente aguentávamos sem buscar consertá-la, ou torná-la melhor.
Quissá, era preciso construir uma nova em folha, com muito cuidado e carinho, reconstruí-la. Ano após ano passados, crescemos e temos novas formas, não cabemos mais em cadeiras que costumávamos caber quando crianças.
O mesmo acontece com o relacionamento: é preciso ajustá-lo e recriá-lo sempre que a perna começar a gastar. Sempre que o encosto parecer desconfortável. Sempre que o estofado comece a soltar a espuma. Sempre que necessário. A cadeira precisa se ajustar as novas necessidades da gente. Amadurecer com a gente.
Mas quem conserta uma coisa que não parece estar quebrada, afinal?
A cadeira no shopping não emitiu sinais. A cadeira do casamento até emitiu sim, mas não se tinha olhos para percebê-los, e se hoje Bárbara, você tem, é somente porque amadureceu com a queda. Tudo acontece como tem que acontecer. Até a família da margarina não escapa de sustos e coisas não controláveis, percebe?
Um apito agudo me afastou dos pensamentos: minha senha brilhava no visor.
Está pronto!